O livro do jornalista inglês Matthew Syed “O princípio da caixa preta: a surpreendente verdade sobre o sucesso” (Editora Objetiva: tradução de Paulo Geiger; 348 páginas; 35 reais) traz diversas reflexões sobre o fracasso e como nossa cultura punitiva estigmatiza e marginaliza o erro. O livro começa com a história do casal, Martin e Elaine Bromiley. Com 37 anos, Elaine segue para uma cirurgia simples, que tem como objetivo livrá-la de uma sinusite crônica. Na mesa de cirurgia, aplicada a anestesia, inicia-se o drama da família Bromiley. Não muito raro em pacientes pós-anestesia, Elaine teve uma contração muscular, travando a boca; sendo impossível oxigena-la. Em um completo caos, toda a equipe médica se envolve na busca por uma solução: como levar oxigênio para a paciente? Mesmo depois de aplicado relaxantes e outras drogas, não conseguem abrir a boca da paciente. Os médicos insistem no mesmo procedimento minuto a minuto. Mergulhados nessa agonia, os médicos ignoram uma proposta oferecida por uma enfermeira, a traqueostomia (intervenção cirúrgica que abre um orifício na traqueia). Como em uma fração de segundos, 20 minutos se passam, e a paciente com uma deficiência de 90% de oxigênio entra em coma. Poucos dias depois Elaine Bromiley, mãe de dois filhos, não resistiu e faleceu. Martin, o esposo, em choque questionou o hospital, como isso poderia ter acontecido em uma cirurgia dada como simples pela equipe médica? O autor abre o livro com essa história pois ela tem tudo a ver com o fracasso e com a cultura punitiva em que muitos profissionais vivem. Os médicos esconderam e mascararam os fatos, inclusive o hospital informou a Martin que só com um processo legal teria acesso às informações do procedimento operatório de Elaine. A grande questão é que Martin é piloto de avião, inserido em uma cultura que lida de forma diferente com o erro, onde o erro é estudado e documentado – a aviação trabalha sistematicamente na documentação e correção de falhas. Martin Bromiley funda uma associação, a Clinical Human Factors Group, que com o tempo cria uma pressão intensa sobre a comunidade médica; a repercussão foi imensa e o impacto muito positivo. Com o pensamento da “caixa-preta” de documentar todos processos a fim de se analisar as falhas e prover ajustes, Martin levou uma nova forma de pensar para a comunidade médica. Hoje muitos médicos escrevem para Martin e muitos hospitais passaram a inserir novos processos, muitos deles inspirados na aviação e nos esforços de Martin Bromiley. O livro traz muitas histórias marcantes sobre o fracasso e o perigo de não tratá-lo como uma oportunidade de crescimento. Em muitas áreas o fracasso simplesmente não pode acontecer, se acontece ele acarreta terríveis perdas. E é nesses ambientes que o fracasso precisa de um tratamento diferente; a punição não inibe o erro, só força os indivíduos a escondê-lo. Quando não se pode errar, os indivíduos não experimentam coisas novas, e quando erram, buscam esconder e mascarar suas falhas. Com frequência são noticiados casos de negligência médica, onde é escondido do paciente os verdadeiros motivos de uma operação ou tratamento mal sucedidos. O princípio da caixa-preta é uma forma de pensar o fracasso, não se trata de perdoar ou aceitar todos os erros, mas de tratá-los dentro de uma forma sistemática de pensar, documentando e desenvolvendo soluções para evitá-los no futuro. A caixa-preta de um avião é o meio que as companhias e toda a indústria da aviação avalia os problemas de um vôo, encontra as falhas, identifica os motivos e cria uma solução para o problema. Como apresenta o autor, através de muitas histórias e estudos de caso, o erro pode ser um valioso componente para o sucesso. Um exemplo é a Unilever, enfrentando problemas em seu processo produtivo de sabão em pó, buscou seus melhores cientistas: físicos e matemáticos. Sua missão era criar uma tubeira, componente essencial para conversão do sabão líquido em pó, através de pressão e outros processos industriais. Muita pesquisa, ajustes, designs e nada de resultados. Desesperados com os fracassos, a unidade de negócios apresentou o problema aos biólogos da companhia. Esses propuseram uma visão darwinista de solução. Criaram 10 tubeiras com pequenas diferenças e testaram todas. Dessas 10 tubeiras uma funcionou um pouquinho melhor, então fizeram mais 10 parecidas com ela, mas com pequenos ajustes. Seguiram essa dinâmica de aperfeiçoamento, ao estilo seleção natural de Darwin, onde os melhores adaptados iam para a próxima iteração. Após 449 fracassos a equipe de biólogos apresentou a tubeira excelente, uma versão fruto de dezenas de fracassos, mas uma vez que os fracassos foram bem trabalhados, os erros culminaram em sucesso. O autor deixa bem claro sua visão de que sem o erro não existe progresso. Só cresce aquele que erra, entende seu erro, faz o ajuste e continua praticando. Sendo atleta o autor carrega essa visão como um estilo de vida, nenhum jogador nasce excelente, mas é a repetição, observação de suas deficiências e o ajuste das falhas que leva-os a grandes resultados. Em um trecho do livro, Matthew Syed fala sobre a infância e os treinos do jogador de futebol inglês David Beckham. Aos 6 anos insistia nas embaixadinhas horas por dia, sua mãe conta que via da janela da cozinha, quando ele ainda acertava poucas sequências, mas a mãe admirava sua insistência. Aos 9 anos, Beckham bateu seu recorde, conta que fez 2003 embaixadinhas sem deixar a bola cair, uma série que durava 15 minutos. Daí em diante seus treinos só aumentaram; estima-se que bateu mais de 50 mil tiros livres ainda em sua juventude. Histórias, estudos de casos e muitas outras reflexões apresentadas pelo autor deixa claro seu ponto: é possível progredir quando os erros são aceitos e trabalhados. Quando o indivíduo entende sua falha, faz o ajuste e repete, estará a caminho da maestria. Top 5 Aprendizados 1 – Ganhos marginais: uma poderosa estratégia de crescimento. Ganhos marginais são pequenos ganhos. Ao invés de pensar em saltos, pensa-se em micro ajustes que dão uma pequena vantagem. A grande inteligência por trás dessa ideia é que promovendo pequenos ajustes em várias áreas é possível atingir grandes resultados no longo prazo. Essa ideia ganhou muito espaço no meio esportivo, onde buscam ajustar pequenas questões, como na Fórmula 1, ajustes no ângulo da pistola, na roupa da equipe e até no andar do time do pitstop. 2 – Em ambientes onde é seguro errar, as pessoas se reinventam e crescem. Tanto em casa como no trabalho existe o medo de errar. Em ambientes onde quem erra não é execrado, mas sim incentivado a enxergar suas falhas e desenvolver o ajuste, há prosperidade e crescimento. 3 – Comece, porque nunca vai estar 100% pronto, sempre faltará algo. Erramos em tudo. Ninguém alcança perfeição, esse é um grande mito, mito esse que acaba paralisando muita gente. A ideia é começar, se lance aos projetos e tente algo novo, conforme os erros acontecem, vá se ajustando e melhorando sua execução. 4 – Algumas pessoas aprendem com o erro, outras não. O autor faz menção ao trabalho da Carol Dweck em Mindset. O mindset de crescimento é a capacidade de continuar tentando, mesmo que ainda o indivíduo tenha baixos resultados. Esses indivíduos conseguem aprender com o erro, pois aceitam suas falhas e fazem delas uma ferramenta de aprendizado. 5 – Só quem erra e aceita a natureza da falha, cresce, pois ninguém nasce excelente, só o tempo e o ajuste faz o mestre. Ninguém nasce pronto. Isso foi debatido exaustivamente em palestras, artigos e muitos livros. Só o trabalho diário, voltado para o feedback e para o ajuste é que projeta o indivíduo ao sucesso. A maestria é resultado de décadas de esforço direcionado, onde o erro é entendido e consertado. Confira mais no vídeo e podcast abaixo: O post O princípio da caixa-preta | Matthew Syed apareceu primeiro em Livros & Negócios.
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