Dezenas de camiões percorrem o Zimbabué com elefantes, búfalos, girafas e zebras. Considerada uma das maiores deslocalizações em África, a operação teve início dia 26 de junho.Depois de um percurso de 600 km, que começa em Sango, os animais selvagens vão ser deixados no Parque Nacional Zinave, em Moçambique, perto da fronteira com o Zimbabué. Os animais são uma doação de Wilfried Pabst, proprietário da Sango Wildlife Conservancy, em Zimbabué. O empresário alemão explica que a Sango Wildlife Conservancy tinha um excedente de animais selvagens e que agora está a ajudar a reconstruir uma extensa terra na Área de Conservação Transfronteiriça do Grande Limpopo (TFCA), quase vazia de vida selvagem. Integrado no programa da Peace Parks Foundation, o projeto resulta de uma colaboração entre os Governos de Moçambique e do Zimbabué, como parceiros da área protegida TFCA, da qual Zinave faz parte. De Sango até Zinave A deslocalização já começou. "Neste momento, temos diversas operações a começar e a acabar em diferentes zonas, mas esperamos concluir todas as deslocalizações até ao final de agosto”, conta Werner Myburgh, CEO da Peace Parks Foundation, organização responsável pela captura e transporte das espécies. "Já transportamos 51 impalas e estamos a capturar kudus”, acrescenta o empresário alemão Wilfried Pabst. Depois de capturados, os animais selvagens vão ser transportados numa viagem de cerca de 25 horas até à fronteira de Moçambique e depois até ao Parque Nacional do Zinave, o qual perdeu animais devido à guerra civil. Durante todo o processo de repovoamento, a Peace Parks Foundation é a organização responsável na coordenação e financiamento das transferências, bem como na garantia da segurança dos animais selvagens. Para tal, a fundação recorre a um conjunto de especialistas, como veterinários, guardas, ecologistas, motoristas de camiões e pilotos de helicópteros.Werner Myburgh, CEO da Peace Parks Foundation, diz que a duração do projeto poderá variar entre 3 a 5 anos, mas "nós assinámos um acordo com o Governo de Moçambique para dar apoio nos próximos 10 anos”. 7.500 animais voltarão a habitar o parque em Zinave No total, num máximo de cinco anos, cerca de 7.500 animais do Zimbabué, África do Sul e de outras partes de Moçambique serão transferidos para ajudar a repovoar o Parque Nacional do Zinave. O projeto é possível graças à doação de animais por parques nacionais ou setores privados. "Wilfried Pabst quis doar 6.000 animais, mas o Governo apenas aprovou 2.000 animais para este ano”, explica Myghburg. Também 500 animais serão levados do Parque Nacional da Gorongosa (Moçambique) para ajudar a repovoar Zinave e elefantes serão transferidos da África do Sul. Riscos durante o transporte O plano de transportar milhares de animais para Moçambique pode conter riscos. Ainda assim, há poucas possibilidades de fazer a deslocalização sem ser por terra. Segundo Masha Kalinina, especialista em política comercial da Humane Society International, citada pelo The Guardian, um elefante morreu no ano passado (2016) na rota para Zinave. "Estão a transportar os animais para este parque para que eles possam morrer nas mãos de caçadores de troféus ou caçadores furtivos. É isso que chamamos de conservação?", questiona Masha Kalinina. Wilfried Pabst responde, no entanto, que o risco é pouco e que é preferível morrer um ou dois animais mas continuar a poder ter todos os outros no parque do Zinave. "Alguns animais selvagens podem ficar lesionados mas acredito que será uma exceção e não uma regra”, defende também Tamás Marghescu, diretor geral do Conselho Internacional para a Conservação da Vida Selvagem (CIC) - uma organização não-governamental que defende a conservação e a caça sustentável. A maior deslocalização de animais bravios em Moçambique 2.5 milhões de dólares é o custo do projeto. No entanto, o diretor executivo Werner Myburgh, considera que o valor não pode ser comparado à soma "astronómica" que teria custado a aquisição de animais sem a doação. Esta é a maior deslocalização de animais bravios no país, segundo a Administração Nacional das Áreas de Conservação. O repovoamento de um espaço com uma área protegida de 4.000 quilómetros quadrados vai permitir a reconstrução do Parque Nacional do Zinave que viu o seu número de animais diminuir devido à guerra civil moçambicana e à caça furtiva, feita ilegalmente pela população para consumo ou para comércio. A relação entre o partido no poder Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e o maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), é conflituosa, tendo tido o seu auge com 16 anos de guerra civil (1977-1992). No entanto, o CEO da Peace Parks Foundation garante que "neste momento não existe um conflito entre a RENAMO e a FRELIMO e penso que, no futuro, também não vai apresentar um risco para os animais”. Benefícios do turismo para a população "Estamos a voltar a trazer animais selvagens para um parque nacional em Moçambique, o que vai criar muitos empregos e trazer turistas para o Zinave”, diz o empresário Wilfried Pabst. Na ausência de emprego, a população local dedica-se à caça furtiva, como meio de subsistência, por isso o CEO da Peace Parks Foundation defende que "o turismo é absolutamente fundamental para ajudar a combater a caça furtiva”. Um dos principais motores do Produto Interno Bruto (PIB) em África é o turismo. Porém, está a ser posto em causa devido aos crimes contra a vida selvagem, que movimentam pelo menos 15 mil milhões de euros por ano. Tamás Marghescu não duvida que a deslocalização dos animais selvagens irá atrair turistas ao Parque Nacional do Zinave e à região. Acredita que, neste momento, "é evidente que não há vida selvagem e, com a deslocalização, criam-se possibilidades para o turismo de fotografia na área”. Sonho de conservação ou risco de morte? "Moçambique continua a ter uma das maiores taxas de caça furtiva na África austral", alerta Masha Kalinina. A atividade é um dos principais motivos para a diminuição da população de elefantes no país, mas a deslocalização é vista como um projeto de conservação. “É um sonho ecológico e de conservação que se vai tornar realidade”, classifica o proprietário da Sango Wildlife Conservancy. Werner Myburgh acrescenta que os animais vão para um local onde é ilegal caçar. "Vão para um parque nacional em Moçambique, não vão ser mortos pela caça (furtiva), portanto, sim, isto é definitivamente aquilo a que chamamos de conservação”, defende Myburgh. "Nenhum animal em África morre de causas naturais, pelo que o risco destes animais morrerem lá existe sempre”, mas Wilfried Pabst acredita que, no Zinave, "irão estar muito bem protegidos pela Peace Parks Foundation”. Myburgh, diretor executivo da Peace Parks, admite haver riscos para os animais. "Claro que há riscos de caça furtiva para os animais que estão a ser transportados para Moçambique e, para os mitigar, a Peace Parks Foundation em conjunto com o Governo de Moçambique decidiram deixar os animais num ‘santuário de animais'”. Um "santuário de animais” é uma área protegida que terá ao seu redor uma cerca elétrica "não com o objetivo de combater a caça furtiva, mas para manter os animais dentro dessa área". Além disso, a fundação está a treinar guardas-caça para prevenir que as pessoas matem os animais."A principal preocupação não é prevenir a caça furtiva feita por pessoas para sobreviverem, a maior preocupação são pessoas que matam animais de forma ilegal para ganho financeiro e lucro”, esclarece Myburgh. "Proteger estes animais requer muito dinheiro e investimento e é por isso que o turismo é importante, para financiar estes custos”, acrescenta. "Em África, é impossível acabar definitivamente com a caça furtiva, porque as pessoas precisam de alimentar as suas famílias e outras para fazer disto um negócio”, clarifica Pabst. Tamás Marghescu reforça que "o mais importante é que a caça furtiva seja contida e controlada”. Legislação sobre espécies protegidas condena até 15 anos de prisão Uma lei promulgada em 2015 prevê penas de prisão até 15 anos para caçadores furtivos e a possibilidade de pagar uma multa. "Antes [desta lei], em Moçambique os caçadores furtivos apenas recebiam uma multa, não havia garantia de uma sentença de prisão”, critica Myburgh. Porém, acrescenta que ainda há trabalho a fazer: "o desafio é que os juízes e procuradores sejam treinados na nova lei e penso que, por vezes, por falta desse treinamento, os criminosos são deixados”, sem ser punidos. História que precisa de ser replicada A deslocalização de animais selvagens em Moçambique "é uma história de sucesso que precisa de ser replicada em mais lugares em África”, conclui Tamás Marghescu. Assim, numa das maiores movimentações terrestres de animais selvagens, Pabst ainda vai transportar 900 impalas, 50 elefantes, 300 gnus, 200 zebras, 200 búfalos, 100 girafas e 50 kudus até ao final de agosto deste ano. Se tudo correr como planeado, o sonho de conservação irá ser cumprido e Zinave ficará repleto de vida selvagem novamente.
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