Foi há mais de 50 anos que Ana Carvalhinha saiu de uma zona do paraíso de que lhe custa ainda hoje falar. Ana vivia com a família no interior de Angola, numa fazenda em que a vida era fácil, as árvores, as formigas faziam parte de um mundo em que não havia restrições.
À sua volta, nesta memória de inocência, não havia passado nem futuro, só um prazer enorme no contacto com aquela natureza meio domada pela força do caráter da mãe, do pai e do trabalho daqueles que os acompanhavam: capatazes e trabalhadores negros.
À volta a selva agitava-se em ruídos de que não se davam conta...
A vida era preenchida com muito trabalho, e de imensos projetos para o futuro.
A mãe com origem no norte dirigia com pulso firme, a fazenda e a família.
Pela sua condição, pela orientação das estrelas, salvaram-se todos porque a vida era também nascimento. A morte não desceu à selva naquela manhã. Veio tarde de mais para os apanhar.
Hoje vamos conhecer a pequena Ana que nesses dia de 1961 corria pelo meio da plantação, e a quem chamaram para se preparar... Iam para Luanda.
aproximava-se o nascimento da sua pequena irmã, o menino Jesus que as iria salvar da tragédia que por todo Norte de Angola se preparava em silêncio, na raiva e incompreensão de um colonialismo surdo aos sinais que se multiplicavam.
O paraíso estava por horas para fechar as suas portas. O horror chegou e uma guerra ia começar,
o mundo daquela família ia ter um fim, um novo início…
E o resto vai passar-se numa tragédia em que os deuses e os homens se juntam para destruir o equilíbrio do mundo, arrancando todos no horror da guerra...
Deixou para trás, o amigo das brincadeiras, filho de uma família da região e nunca mais voltou de uma viagem que se julgava ser curta. Durou uma vida e as vidas de todos os que naqueles próximos meses, mataram e foram mortos.
A última memória de Angola é a do pai que lhe diz adeus no porto de Luanda,
E sem compreender porque são expulsos de uma terra que já chamava sua,, dentro do navio Santa Maria, a família refugia-se num silêncio que os levará até ao Porto.
Aí, numa manhã fria, a primeira sensação de Portugal, é a do capote pesado que lhe colocam aos ombros para a proteger, ignorantes do paraíso que tinha deixado para trás.
Hoje vamos falar de vidas, das muitas vidas que Ana Carvalhinha traz consigo, das vidas que a levam a encerrar e a iniciar outros capítulos na vida, sempre com a coragem e a ilusão…
como se fosse o primeiro.
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